Carlos Castaneda – frases de Don Juan
Matus – Porta para o Infinito (Relatos de Poder) – parte I - II e III
A autoconfiança do guerreiro não é a mesma que a do homem comum. Este busca a certeza aos olhos do espectador e chama a isso autoconfiança. O guerreiro busca a impecabilidade a seus próprios olhos e chama a isso humildade. O homem comum está agarrado a seus semelhantes, enquanto o guerreiro só se agarra a si mesmo. Talvez você esteja perseguindo uma quimera. Busca a autoconfiança do homem comum, enquanto devia estar atrás da humildade do guerreiro. A diferença, entre os dois é notável. A confiança em si significa saber algo com certeza; a humildade significa ser impecável em suas ações e sentimentos.
Não importa o que se revela e o que se guarda para si. Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal. Se temos o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de nossas vidas. Mas, se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais magnífico nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença.
Cada guerreiro tem seu modo próprio de sonhar. Cada modo é diferente. A única coisa que todos temos em comum é que fazemos truques para nos obrigar a abandonar a busca. O antídoto é insistir, apesar de todos os obstáculos e desapontamentos.
Se quisermos ter êxito em alguma coisa, o sucesso deve chegar devagar, com muito esforço, mas sem tensões nem obsessão.
Um guerreiro aceita seu destino, seja qual for, e o aceita na mais total humildade. Aceita com humildade aquilo que ele é, não como fonte de pesar, mas como um desafio vivo. É preciso tempo para cada um de nós compreender este ponto e vivê-lo plenamente. Eu, por exemplo, detestava a simples menção à palavra humildade. Sou índio, e nós índios sempre fomos humildes e nunca fizemos outra coisa senão curvar a cabeça. Pensei que a humildade não fazia parte da vida de um guerreiro. Mas estava enganado. Hoje sei que a humildade do guerreiro não é a humildade de um mendigo. O guerreiro não curva a cabeça para ninguém, mas ao mesmo tempo não permite que ninguém curve a cabeça para ele. O mendigo, ao contrário, prostra-se de joelhos por qualquer coisa e lambe as botas de quem quer que ele considera superior, mas, ao mesmo tempo exige que alguém que ele considera inferior lhe lamba as botas. Foi por isto que eu lhe disse que eu não sabia como se sentiam os mestres. Só conheço a humildade do guerreiro e isto nunca permitirá que eu seja mestre de alguém. Você gosta da humildade de um mendigo. Curva a cabeça diante da razão.
A liberdade é dispendiosa, mas o preço não é impossível.
Nós todos passamos pelas mesmas funções. O único jeito de vencê-las é persistir em agir como guerreiro. O resto vem sozinho e por si. O resto é o conhecimento e o poder. Os homens de conhecimento possuem ambos. No entanto, nenhum deles poderia dizer como os adquirira, a não ser que continuou a agir como guerreiro e, num dado momento, tudo se modificou.
Um guerreiro deve ficar calmo e controlado e nunca deve perder o pulso.
Eis o defeito das palavras. Sempre nos obrigam a sentir-nos esclarecidos, mas, quando nos viramos para enfrentar o mundo, elas sempre nos falham e terminamos enfrentando o mundo como sempre o fizemos, sem esclarecimento. Por este motivo, o feiticeiro procura agir em vez de falar e para isso ele consegue uma nova descrição do mundo: uma nova descrição em que falar não é assim tão importante, e em que novos atos têm novos reflexos.
Um guerreiro começa com a certeza de que seu espírito está desequilibrado; aí, vivendo num controle e consciência completos, mas sem pressa nem compulsão, ele faz o máximo para conseguir esse equilíbrio.
Não fique nervoso. Nada há neste mundo que um guerreiro não possa enfrentar. Entenda: um guerreiro já se considera morto, de modo que nada tem a perder. O pior já lhe aconteceu, e portanto ele está lúcido e calmo. A julgá-lo por seus atos ou suas palavras, nunca se suspeitaria de que ele tenha presenciado tudo.
Sempre que o diálogo interno pára o mundo entra em colapso, e facetas extraordinárias de nossos seres emergem, como se tivessem sido mantidas numa guarda severa por nossas palavras. Você é o que é porque diz a si mesmo que é assim.
Carlos Castaneda – frases de Don Juan Matus – Porta para o Infinito – Relatos de Poder – parte II
Se toda a nossa experiência do mundo é a recordação, então não é assim tão absurdo concluir que um feiticeiro possa estar em dois lugares ao mesmo tempo. Não é o caso do ponto de vista da percepção dele, pois, para experimentar o mundo, o feiticeiro, como qualquer outro, tem de recordar o ato que acaba de praticar, o acontecimento que acaba de presenciar, a experiência que acaba de viver. Em sua consciência, só há uma recordação. Mas para um estranho, olhando para o feiticeiro, pode parecer que o feiticeiro está representando dois episódios diferentes ao mesmo tempo. O feiticeiro, porém recorda-se de dois instantes únicos e isolados, porque a cola da descrição do tempo não o prende mais.
Existem três tipos de maus hábitos que usamos repetidamente quando nos defrontamos com situações desconhecidas na vida. Primeiro, podemos não levar em consideração o que está acontecendo ou já aconteceu, e sentir que nunca aconteceu. Isso é o método do fanático. Segundo, podemos aceitar tudo pelas aparências e sentir que sabemos o que se está passando. Esse é o método do devoto. Terceiro, podemos ficar presos a um fato porque não conseguimos desprezá-lo, nem conseguimos aceitá-lo totalmente. Esse é o método do tolo. O seu método? Existe um quarto, o correto, o método do guerreiro. Um guerreiro age como se nada tivesse acontecido, jamais, porque não acredita em nada, e, no entanto aceita tudo pelas aparências. Aceita sem aceitar e despreza sem desprezar. Nunca acha que sabe, nem sente que nada aconteceu. Age como se estivesse controlado, mesmo que esteja tremendo por dentro. Agir desse modo desfaz a obsessão.
Você deve cultivar a idéia de que um guerreiro não precisa de nada. Você tem tudo o que é preciso para a viagem extravagante que é a sua vida. A verdadeira experiência é ser um homem e o que conta é estar vivo; a vida é um desviozinho que estamos seguindo agora. A vida em si é suficiente, auto-explicativa e completa. Um guerreiro compreende isso e vive de acordo; portanto, pode-se dizer, sem presunção, que a experiência das experiências é ser um guerreiro.
Não é questão de escolha pessoal saber quem é escolhido para aprender o conhecimento do feiticeiro, que leva ao domínio da consciência. Você já se perguntou, por que você, em especial?
Eu não estou dizendo que você deva perguntar isso como coisa que exige resposta, e sim no sentido de o guerreiro meditar sobre a sua grande boa sorte, a sorte de ter encontrado um desafio.
Fazer disso uma pergunta comum é coisa de um homem presunçoso, que deseja ser ou admirado ou deplorado. Não me interessa tal tipo de pergunta, pois não há meio de responder a ela. A resolução de escolher você foi um desígnio do poder; ninguém pode distinguir os desígnios do poder. Agora que você foi escolhido, não há nada que possa fazer para deter a realização desse desígnio.
Se um guerreiro precisa de alívio, ele simplesmente escolhe uma pessoa e exprime a esta pessoa todos os detalhes do seu tumulto. Afinal de contas o guerreiro não está procurando ser compreendido ou auxiliado; quando fala está apenas aliviando a sua pressão. Isto é, desde que o guerreiro seja dado a falar; se não for, ele não conta a ninguém.
Você se entrega. Acha que entregar-se a dúvidas e aflições é indício de um homem sensível. Bom, mas a verdade é que você está bem longe de ser sensível. Então, para que fingir? Já lhe disse: um guerreiro aceita com humildade aquilo que ele é.
— Você faz parecer que eu me estou confundindo de propósito.
— Nós nos confundimos de propósito sim. Nós todos temos conhecimento de nossos atos. Nossa razãozinha amesquinha propositadamente, se transforma no monstro que se imagina. Mas ela á muito pequena para um molde tão grande.
É verdade, sempre se pode fracassar. Mas creio que você se refere a outra coisa. Você quer encontrar uma saída. Quer ter a liberdade de fracassar e desistir nos seus próprios termos. É tarde para isto! Um guerreiro está nas mãos do poder e sua única liberdade é escolher uma vida impecável. Não há meio de forjar um triunfo ou uma derrota. Sua razão pode querer que você fracasse completamente, a fim de apagar a totalidade de seu ser. Mas existe uma contramedida que não permitirá que você declare uma vitória ou uma derrota falsa, se você acha que pode fugir para o abrigo do fracasso está maluco! O seu corpo montará guarda e não o deixará seguir tais caminhos.
Você está numa situação terrível. É tarde para recuar, mas é cedo para agir. Só o que pode fazer é presenciar. Está na situação triste de uma criança que não pode voltar para o ventre da mãe, e nem pode andar e agir. O bebê só pode é presenciar e escutar as tremendas histórias de ação que lhe contam. Você está agora exatamente nesse ponto.
Não pode voltar para o ventre do seu velho mundo, mas também não pode agir com poder. Para você, só existe presenciar atos de poder e escutar histórias, relatos de poder.
Carlos Castaneda – frases de Don Juan Matus – Porta para o Infinito (Relatos de Poder) – parte III
O guerreiro está sempre preparado. Ser guerreiro não é apenas querer sê-lo. É, antes, uma luta interminável que continua até o último momento de nossas vidas. Ninguém nasce guerreiro, assim como ninguém nasce um ser racional. Nós é que nos tornamos um e outro. Controle-se!
Cada um de nós é diferente, e assim os detalhes de nossas lutas são diferentes. Contudo os passos que seguimos para chegar ao sósia, nosso corpo energético e sonhador, são os mesmos. Especialmente os primeiros passos que são misturados e inseguros.
Está vendo? — disse Dom Juan (usando como exemplo a primeira experiência de Dom Genaro com o sósia), nós todos temos as mesmas dúvidas. Temos medo de estar malucos.
Você mesmo sabe que algo no guerreiro sempre tem consciência de todas as modificações. É precisamente o motivo do guerreiro incentivar e manter esta consciência. O guerreiro a limpa, lustra e conserva em funcionamento.
É muito importante você reparar. Você repara nas coisas quando acha que deve; a condição de um guerreiro, porém, é reparar em tudo sempre.
Ele tinha razão. Tive de admitir que havia em mim alguma coisa que registrava e tinha consciência de tudo o que eu fazia. E, no entanto, nada tinha a ver com a consciência normal de mim mesmo. Era alguma outra coisa que eu não podia precisar. — É uma voz interior que nos diz o que é o que.
Cuidado! Um guerreiro nunca se descuida de sua defesa. Se você continuar assim tão feliz ou infeliz, vai esgotar o pouco poder que lhe resta. Seja você mesmo. Duvide de tudo. Seja desconfiado. Um guerreiro morre com dificuldade. Sua morte teria de lutar para levá-lo. Um guerreiro não se entrega.
O diálogo interno é a chave de tudo. Quando um guerreiro aprende a pará-lo, tudo se torna possível. Um guerreiro sabe que o mundo se modifica assim que ele pára o diálogo interno, e deve estar preparado para esse abalo monumental.
O mundo é assim e assado, e tal e tal, só porque nos dizemos que é dessa maneira. Se pararmos de nos dizer que o mundo é tal e tal, o mundo deixará de ser tal e tal. Neste momento, não creio que você esteja pronto para esse golpe monumental, e, portanto, deve começar lentamente a desfazer o mundo.
Seu problema é que confunde o mundo com o que as pessoas fazem. Ainda nisso, não é o único. Todos nós fazemos isso. As coisas que as pessoas fazem são os escudos contra as forças que nos cercam; o que fazemos como pessoas nos dá conforto e nos faz sentir seguros; o que as pessoas fazem é muito importante em si, mas apenas como escudo. Nunca aprendemos que as coisas que fazemos como pessoas são apenas escudos e deixamos que elas dominem e transtornem nossas vidas. Na verdade, eu diria que, para a humanidade, aquilo que as pessoas fazem é maior e mais importante do que o próprio mundo.
O mundo é tudo o que está encerrado aqui… a vida, a morte, pessoas, aliados, e tudo o mais que nos cerca. O mundo é incompreensível. Nunca o compreenderemos; nunca desvendaremos seus segredos. Assim, temos de tratá-lo como ele é, um simples mistério!
Mas o homem comum não faz isso. O mundo nunca é mistério para ele e, quando ele chega à velhice, está convencido de que não tem mais nada por que viver. Um velho não esgotou o mundo. Só esgotou o que as pessoas fazem. Mas, em sua estúpida confusão, acredita que o mundo não tem mais mistérios para ele. Que preço triste para pagar por nossos escudos!
Um guerreiro sabe dessa confusão e aprende a tratar as coisas direito. As coisas que as pessoas fazem não podem, de jeito nenhum, ser mais importantes do que o mundo. E assim o guerreiro trata o mundo como um mistério infindável e o que as pessoas fazem como uma imensa loucura.
Um guerreiro não pode reclamar nem lamentar nada. A vida é um desafio interminável, e os desafios não podem ser bons ou maus. Desafios são simplesmente desafios. A diferença básica entre um homem comum e um guerreiro é que um guerreiro aceita tudo como um desafio, enquanto que um homem comum aceita tudo ou como uma bênção ou uma maldição.
Fonte: http://pleidianos.blogspot.com.br/2014/09/carlos-castaneda-frases-de-don-juan.html
Comentários
Postar um comentário